Como a leitura pode ajudar a aumentar a durabilidade das lembranças?
Resumo
Por que muitos idosos têm dificuldade para saber o que comeram no dia anterior, apesar de se lembrarem com detalhes de fatos da infância? A resposta pode estar em quatro letrinhas: BDNF, uma proteína que, segundo estudos recentes, tem papel fundamental na persistência das memórias.
Líder do grupo que faz essas pesquisas, o neurocientista Ivan Izquierdo é um dos principais estudiosos da memória do mundo. Coordenador do Centro de Memória da PUC-RS, ele falou sobre o tema à repórter Flávia Mantovani da Folha SP sobre as novas pesquisas envolvendo a memória dos idosos no 4º Congresso Brasileiro de Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado em Bento Gonçalves (RS) na semana de 20 a 25 de maio de 2008.
Falou sobre suas descobertas e citou estudos que buscam uma droga que melhore a falta de persistência da memória - sobre os quais ainda não pode revelar detalhes porque estão em andamento.
Enquanto não se descobre um remédio que aumente a durabilidade das lembranças, é possível driblar o problema com um hábito que, segundo ele, é o melhor para estimular a memória: a leitura. "Quando lemos, fazemos um scanner do universo inteiro que o cérebro conhece."
Folha - O que os estudos têm mostrado sobre o papel da BDNF no mecanismo da memória?
Ivan Izquierdo - Ela atua na persistência, na duração das memórias. Cerca de 12 horas depois da aquisição de uma memória, essa proteína é produzida e liberada no hipocampo [uma região do cérebro Sem ela, a memória grava, mas não dura. Provavelmente é isso que acontece quando envelhecemos. Essa falta de persistência é característica da memória dos idosos, que se lembram de fatos da infância, mas não de coisas atuais.
Folha - Nos idosos, então, há uma falha na produção de BDNF?
Izquierdo - Seguramente há um problema nos mecanismos ligados à BDNF, não sabemos se na produção e liberação ou se nos passos anteriores a isso.
Folha - Mas pessoas jovens também sofrem de falta de persistência.
Izquierdo - Todos temos falta de persistência em algum momento. Mas é mais notório na idade avançada. É uma característica da idade, não tem significado patológico. Todas as funções corporais declinam com a idade, mas podem melhorar.
Folha - Como podemos exercitar a memória?
Izquierdo A melhor forma é lendo. A leitura envolve memória visual, verbal, relação com o contexto, tudo isso processado em milissegundos. Quando lemos, fazemos um scanner do universo inteiro que o cérebro conhece. Não há nenhuma outra atividade cerebral que chegue perto disso. Fazer palavras cruzadas, por exemplo, ajuda, mas ler ajuda muito mais.
A prova disso é que as pessoas que mais lêem, que são os professores e os atores, são os que têm melhor memória. Quando eles têm doença de Alzheimer, a têm mais tardiamente, e, na fase inicial, de forma mais leve. Uma pessoa que tinha uma grande memória e depois a perdeu foi o presidente [Ronald] Reagan, dos EUA. Ele tinha essa capacidade porque era ator, não por ser um homem inteligente.
Folha - Inteligência e memória não são sinônimos, certo?
Izquierdo - Não. Inteligência abrange memória. Mas é mais inteligente uma pessoa que tem uma agenda com telefone de quem possa informá-la de algo do que alguém que tenta se lembrar de tudo, porque não vai conseguir nunca.
Folha - Por que a memória melhora quando é exercitada?
Izquierdo - Todas as funções que envolvem sinapses melhoram com o uso. Isso é facilmente perceptível nas funções atléticas. Os músculos de um goleiro funcionam melhor na hora de dar um pulo do que os de uma pessoa sedentária.A estimulação repetida de um nervo melhora o tamanho e a função dele. Já a falta da estimulação faz com que ele atrofie. O mesmo acontece com a memória. Aquelas pessoas que nunca aprendem nada perambulam por aí como fantasmas. A forma de evitar isso é aprender, ler.
Folha - Os estudos com a BDNF foram feitos com animais. Há previsão de estudos com humanos?
Izquierdo - Tudo o que sabemos de memória que tem interesse prático foi feito em animais. Os estudos envolvem a colocação de cânulas para injetar drogas, análises do tecido cerebral, o que é impossível em humanos. Nos humanos, podemos fazer outros tipos de teste. Agora, por exemplo, estamos fazendo estudos com humanos idosos e não idosos para ver se há algum remédio psiquiátrico que possa melhorar a falta da persistência da memória. Estamos na fase de finalização dos resultados.
Fonte: Folha de SP
Mais um bom motivo para cultivarmos o hábito da leitura!
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