Era uma crespa noite de inverno londrino.
Eu tinha convidado para um jantar na embaixada brasileira, ao fim dos anos 70, o grande filósofo liberal francês Raymond Aron e dois sociólogos radicados na Inglaterra, Ralf Dahendorf e Ernest Gellner, este último professor de José Guilherme Merquior, meu conselheiro de embaixada. Na curva do conhaque, quando filosofávamos sobre nominalismo, realismo e existencialismo, contei uma piada que Aron achou divertida. Era a definição de "realidade" dada por um irlandês, revoltado pela interrupção de suas libações alcoólicas à hora do fechamento dos "pubs". "A realidade é uma ilusão criada por uma aguda escassez de álcool", disse.
Quando partiram os hóspedes,
resolvemos, Merquior e eu, em rodadas de uísque, testar duas coisas. Primeiro,
a teoria irlandesa do realismo alcoólico. Segundo, nossa capacidade de
recitarmos, de memória, aquilo que poderíamos chamar de "leis de
comportamento sociopolítico" de variadas personagens e culturas.
Alternávamos nas citações, que registrei num alfarrábio que outro dia
desenterrei numa limpeza de arquivos. Ei-las:
A lei de Lênin: "É
verdade que a liberdade é preciosa. Tão preciosa que é preciso
racioná-la".
A lei de Stálin: "Uma
única morte é uma tragédia; 1 milhão de mortes é uma estatística".
A lei de Krushev: "Os
políticos em qualquer parte são os mesmos. Eles prometem construir pontes mesmo
quando não há rios".
A lei de Henry Kissinger:
"O ilegal é o que fazemos imediatamente. O inconstitucional é o que exige
um pouco mais tempo".
A lei de Franklin Roosevelt:
"Um conservador é um homem com duas excelentes pernas, que, contudo, nunca
aprendeu a andar para a frente".
A lei de Lord Keynes: "A
dificuldade não está nas idéias novas, mas em escapar das antigas".
A lei de Bernard Shaw:
"Patriotismo é a convicção de que o país da gente é superior a todos os
demais, simplesmente porque ali nascemos".
A lei de Hayek: "Num
país onde o único empregador é o Estado, a oposição significa morte por
inanição. O velho princípio de que quem não trabalha não come é substituído por
um novo princípio: quem não obedece não come".
A lei de Mark Twain: "Um
banqueiro é um tipo que nos empresta um guarda-chuva quando faz sol, e exige-o
de volta quando começa a chover".
A lei de Lord Kelvin:
"Grandes aumentos de custos -com questionável melhoria de desempenho- só
podem ser tolerados em relação a cavalos e mulheres".
A lei de Charles De Gaulle:
"As promessas só comprometem aqueles que as recebem".
A lei de John Randolph,
constituinte na Convenção de Filadélfia: "O mais delicioso dos privilégios
é gastar o dinheiro dos outros".
A lei de Getúlio Vargas:
"Os ministérios se compõem de dois grupos. Um formado por gente incapaz, e
outro por gente capaz de tudo".
A lei do governador Mario
Cuomo, de Nova York: "Faz-se campanha em poesia e governa-se em
prosa".
A lei de John Kenneth
Galbraith: "A política não é a arte do possível. Ela consiste em escolher
entre o desagradável e o desastroso".
A lei de Sócrates: "No
tocante a celibato e casamento, é melhor não interferir, deixando que o homem
escolha o que quiser. Em ambos os casos, ele se arrependerá".
No último uísque, Merquior me
contou um chiste anônimo, que circulava em Londres: "A natureza deu ao
homem um pênis e um cérebro, mas insuficiente sangue para fazê-los funcionar
simultaneamente".
Ao confidenciar a Merquior
que pretendia aposentar-me do Itamaraty para ingressar na política, lembrou-me
ele a lei de Hubert Humphrey, vice-presidente dos Estados Unidos na
administração Lyndon Jonhson, que dizia: "É verdade que há vários idiotas
no Congresso. Mas os idiotas constituem boa parte da população e merecem estar
bem representados".
Tendo em vista minhas
ambições políticas, combinamos fabricar conjuntamente uma lei, que passaria à
posteridade como a lei Campos/Merquior: "A política é a arte de fazer hoje
os erros do amanhã, sem esquecer os erros de ontem".
Ao nos despedirmos, já mais sóbrios, lembrei-me de duas leis.
A lei do King Murphy, que assim reza: "Não estão seguras a vida, a liberdade e a propriedade de ninguém enquanto a legislatura estiver em sessão".
E a lei do sábio Montesquieu, o inventor
da teoria da separação de poderes: "O político deve sempre buscar a
aprovação, porém jamais o aplauso".
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